Não sou um adepto fervoroso de futebol, nem sequer um seguidor atento. Grande parte das individualidades, equipas, estratégias e minúcias deste desporto iludem-me. A aptidão das minhas tíbias superou amplamente a qualidade dos meus pés desde cedo, e talvez por isso tenha direccionado o meu esforço e dedicação noutros sentidos. No entanto, a final da taça da liga, e a reacção paradoxal dos adeptos envolvidos, deixou uma marca indelével na minha consciência.
O facto de o Benfica ter vencido, seria em princípio um motivo para celebração, um momento para reconhecer o mérito, o trabalho e o sacrifício de incontáveis horas de treino e preparação, que ultimamente culminaram em triunfo. Poderia até argumentar que seria uma boa altura para a equipa se reerguer na face da adversidade. Numa profissão em que o objectivo é ganhar, o alcance da vitória é a sua própria recompensa, alicerçando os fundamentos que a permitiram, reforçando o indivíduo a equipa, e a sua dinâmica. O sucesso desportivo, fertiliza o bem estar económico/financeiro do clube, e o agrado da massa associativa num ciclo que se auto-perpetua.
Foi portanto com relativo espanto que assisti os adeptos do “glorioso” manifestarem o seu descontentamento após a conquista de mais uma taça da liga, a quarta consecutiva. Antagonicamente, os jogadores derrotados do Gil Vicente são recebidos em Barcelos como autênticos heróis pelo seu público. Esta incongruência, este inverter de papeis, é na minha opinião apenas mais um exemplo da forma como o povo é condicionado a distorcer a realidade. São os mesmos portugueses, em Lisboa e em Barcelos, uns tristes por terem ganho, os outros contentes por terem perdido; participam no espectáculo, compram os bilhetes, os jornais, a publicidade da televisão, e vendem o seu ser.
Claro está que as expectativas dos distintos adeptos são polares. Os benfiquistas portadores de uma tradição secular de ilusionismo, com um orçamento astronómico, não esperam nada mais do seu clube que a excelência, enquanto os “pequeninos” gilistas, se contentam em participar da final. Não obstante, o propósito destas equipas que se opõe é o mesmo, e o seu sucesso ou fracasso deve ser correspondido adequadamente. De que outra forma podem progredir?
Contudo, foi criada a percepção que para o Gil Vicente estar na final já é muito bom, mais do que esperado. Ainda não tinham ganho nada, mas já eram vencedores, superaram as expectativas. Já no caso do Benfica, com o sonho do campeonato cada vez mais distante e uma Champions prometida por conquistar, esta não passava de uma competição secundária, irrelevante. Matam-se com gentilezas as pequenas equipas, e com injúrias as grandes, e pelo meio se perde toda a virtude do jogo e o Tau da competição. Já o bobo da festa, esse faz o que lhe mandam, rindo ou chorando consoante a geografia, incapaz de ganhar ou perder na sua plenitude, nem sequer se apercebe do que lhe acabou de ser roubado. Fica na “medianazinha”, não é salgado nem é doce, é salobre.
O que esta cultura nos oferece não passa de um desmesurado esforço para dissimular a verdade, uma realidade alternativa que só existe para quem quer acreditar nela.
“One has to investigate the principle in one thing, or one event exhaustively…Things and the self are governed by the same principle. If you understand one, you understand the other, for the truth within and the truth without are identical.” Er Cheng Yishu
Um Abraço